Certo dia
perguntaram-me o que eu achava do amor. Daquela coisa de cinema, que acontece
de uma hora para a outra, vem como quem não quer nada, conquista um lugar,
aliás, o lugar do nosso coração. Aquela coisa que nos completa e acrescenta.
Quando ouvi a pergunta, só consegui pensar em uma coisa: duas multidões
separadas por um corredor. E foi com aquilo que sonhei naquela noite.
Todos aqueles seres
humanos separados apenas por um ínfimo metro de largura. Os seres que estavam à
minha direita seguravam cacos de vidro. A força com que suas mãos envolviam
tais objetos fazia-as sangrar, deixando cair pequenos pingos ao chão.
Assustei-me com aquela
visão, então me virei para a esquerda e vi que, daquele lado, as pessoas
seguravam buquês de flores. Eram grandes, lindos e muito perfumados. Afeiçoei-me
àquelas pessoas logo que as vi. Com o passar de uma brisa, notei estar nua, desprotegida
na frente de todas aquelas pessoas. Sim, todas as outras estavam vestidas.
Senti a necessidade de
passar por aquele caminho, que apresentava um tapete vermelho, não sei se para
esconder as manchas do meu sangue que por ali ficassem, ou simplesmente pela
bela cor. Ao começar a caminhar, encarei uma pessoa. Infelizmente, ela estava
ao meu lado direito. Quando fui desviar o olhar, ela jogou o caco de vidro,
deixando-me uma cicatriz. Depois, encarei outra. Esta, ao meu lado esquerdo,
jogou-me o buquê que trazia. Não houve cicatriz. Notei como nenhuma das pessoas
se feria ao ser atingida por qualquer objeto que talvez a acertasse e achei
isso uma injustiça, mas parecia que isso era comum, era o que fazia sentido. Eu
estava ali, desprotegida e sem poder ferir ninguém.
Acordei. Percebi enfim
que havia entendido o amor. Estou à mercê de muitas variáveis. Cacos de vidro
ou buquês de flores. Mas, na verdade, o que eu preciso é de alguém que dispa-se
das suas roupas e ande pelo corredor comigo.