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domingo, 19 de maio de 2013

Um corredor


Certo dia perguntaram-me o que eu achava do amor. Daquela coisa de cinema, que acontece de uma hora para a outra, vem como quem não quer nada, conquista um lugar, aliás, o lugar do nosso coração. Aquela coisa que nos completa e acrescenta. Quando ouvi a pergunta, só consegui pensar em uma coisa: duas multidões separadas por um corredor. E foi com aquilo que sonhei naquela noite.

Todos aqueles seres humanos separados apenas por um ínfimo metro de largura. Os seres que estavam à minha direita seguravam cacos de vidro. A força com que suas mãos envolviam tais objetos fazia-as sangrar, deixando cair pequenos pingos ao chão.

Assustei-me com aquela visão, então me virei para a esquerda e vi que, daquele lado, as pessoas seguravam buquês de flores. Eram grandes, lindos e muito perfumados. Afeiçoei-me àquelas pessoas logo que as vi. Com o passar de uma brisa, notei estar nua, desprotegida na frente de todas aquelas pessoas. Sim, todas as outras estavam vestidas.

Senti a necessidade de passar por aquele caminho, que apresentava um tapete vermelho, não sei se para esconder as manchas do meu sangue que por ali ficassem, ou simplesmente pela bela cor. Ao começar a caminhar, encarei uma pessoa. Infelizmente, ela estava ao meu lado direito. Quando fui desviar o olhar, ela jogou o caco de vidro, deixando-me uma cicatriz. Depois, encarei outra. Esta, ao meu lado esquerdo, jogou-me o buquê que trazia. Não houve cicatriz. Notei como nenhuma das pessoas se feria ao ser atingida por qualquer objeto que talvez a acertasse e achei isso uma injustiça, mas parecia que isso era comum, era o que fazia sentido. Eu estava ali, desprotegida e sem poder ferir ninguém.

Acordei. Percebi enfim que havia entendido o amor. Estou à mercê de muitas variáveis. Cacos de vidro ou buquês de flores. Mas, na verdade, o que eu preciso é de alguém que dispa-se das suas roupas e ande pelo corredor comigo.

sábado, 27 de abril de 2013

Números quebrados

Mesmo brigados, eles estavam estudando juntos. Sempre antagônicos, ele estudava português e ela matemática. Áreas tão distintas quanto seus corações naquele momento. A discussão acontecera há alguns dias, mas apesar de não se falarem, estavam juntos ali, como de costume. No meio da leitura de um texto “que valeria para as próximas três questões”, ele a ouviu reclamar.
- O que foi?
- Essa conta deu errado.
- Só isso?
- Só. Era pra ter dado 5, mas deu 4,907. – e fez uma pausa. – Não gosto de números quebrados.
- Poderia ser pior.
- Como? O que é pior do que números quebrados?
- Ideias, palavras, frases truncadas.
- Você e seu português.
- Você e sua exatidão...
- Você sempre critica o meu modo de pensar. Tenho culpa se eu sempre vou pelo lado mais prático das coisas?
- E você sempre critica o jeito com que eu me perco nos meus pensamentos. Mesmo sabendo que é sempre mais divertido ser assim.
- Por que ainda estamos juntos?
- Porque, apesar de tão diferentes, nos completamos.
- Será?
- Sim, porque eu acabei de ver onde você errou na sua conta.
- Ah é? E onde foi?
- No português.
- Como assim?
- O enunciado diz “encontre o resultado aproximado”. 4,907 é bem próximo de 5. Na verdade, a sua conta está certa.
- O que seria de mim sem você?
- Não sei. Talvez apenas um número quebrado.
- E de você sem mim?
- Palavras, frases e ideias truncadas.

Nota da autora: O link no meio do texto é pra dar o crédito à fonte de inspiração deste diálogo.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O efeito

Estava deitada em sua cama há cerca de duas horas apenas pensando no mundo. Seus problemas vez ou outra cruzavam sua mente também. Notas mentais importantes para o dia seguinte. Não, amanhã é domingo! Então fica pra segunda. Voltou aos devaneios que ficavam cada vez mais intensos. De repente uma certa frase passou pela sua mente e fez com que lembrasse de um livro que leu anos atrás. Que fez parte de sua infância.

Onde será que anda aquele livro? Não sabia. Apenas pensou nele. Achou melhor levantar para enfrentar o   sábado que agora já estava algumas horas menor. Para aproveitar o final de semana não se pode ficar o dia todo na cama, bem dizia a mãe. Esse pensamento contrariou todas as suas filosofias que havia se apegado firmemente na época da faculdade. Sem saber o porquê, passou o dia todo com trechos da história indo e vindo em sua cabeça, fazendo sentido às situações mais aleatórias possíveis. Onde será que anda aquele livro? Pensou melhor por um instante e resolveu sair à caça, qual predadora esfomeada por uma saudosa leitura.

Percorreu cômodos, abriu portas, fechou-as com raiva, abriu outras, encontrou fotos de anos atrás, lembranças que retornaram ainda mais fortes. Uma singela lágrima foi derramada ao ver a foto do irmão mais novo. Lembrou-se de como foi difícil despedir-se dele quando se mudou para a casa atual. Mas o que é que procurava mesmo? Ah, o livro. Tal qual um Sherlock, seguiu pistas, achou outros livros, desvendou o mistério da meia perdida de duas semanas atrás. Uma pena já ter jogado a outra fora por causa da desesperança de encontrar este pé. Uma pena mesmo.

O livro! Continuou a busca até que deu de cara com ele, ali, quieto, contido em sua simplicidade no canto de um armário cheio de coisas velhas. Não que ele mesmo fosse velho, visto que era o seu preferido. Um clássico. Sim, esse termo é bem melhor.

Achou-o. Sua busca quase que frenética dentro da própria casa cessou. Seu objetivo daquele dia foi concluído. E agora? Foi então que preparou uma boa caneca de café e foi aproveitar seu sofá, sua bebida e seu recém achado tesouro. Reler uma história que, na primeira vez, teve sobre ela o efeito de choro. Assim como na segunda e na terceira. Trazia imagens de uma infância ideal. A sua própria. "Meu primeiro livro" murmurou baixinho enquanto folheava as primeiras páginas.

Já na primeira linha uma lágrima, não se sabe se de alegria ou de emoção, escorreu. Nostalgia, talvez. Incrível como, depois de tanto tempo, aquele singelo monte de páginas alinhadas ainda tem o mesmo efeito sobre ela. Ao fechar os olhos é capaz de sentir-se ali, ainda criança, na casa dos pais experimentando pela primeira vez o prazer da leitura.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Se você lembra disso...

Foto retirada deste perfil do Facebook.
"Se você lembra disso, você teve uma boa infância." "Se você lembra... sua infância foi a melhor..."
Ah, uma coisa pra vocês: PAREM!

O que faz você pensar que a sua infância foi melhor do que a da pessoa que nasceu 20 anos depois de você? Por que é que você fica aí falando que "as crianças de hoje não saberão o que é infância de verdade"? VOCÊ soube o que era "infância de verdade"? Se sim, parabéns campeão, você é apenas mais um que teve um período bom na sua vida, assim como bilhões de outras pessoas.

Pegue uma pessoa que viveu a infância na década de 50 e compare com uma que foi criança na década de 90 e verá que elas dificilmente tiveram o mesmo tipo de brincadeiras, os mesmos brinquedos e tudo o mais. Mas você vem querer me dizer que o seu tempo era melhor? Só era "melhor" por causa das coisas que você via e, acima de tudo, por causa do modo que você as via.

"Os brinquedos dos anos 70 eram mais legais." Troque os números da sentença anterior pelos da década em que você era criança e verá como é irrelevante o período em que você viveu. Digo isso porque o que importa é o que você aproveitou. Já ouvi gente mais nova do que eu falando que Chaves fez parte da sua infância. Ah é? Pois da minha também. E da do meu tio (de 40 anos), dos meus primos mais velhos, etc...

Outras vezes ouvi gente reclamando de programas atuais para as "crianças quase adolescentes". Você curtiu o que? Bob Esponja? Meu pai curtiu Jeannie é um gênio e A Feiticeira e acha o Bob uma coisa extremamente ridícula, independente de eu achar um dos desenhos mais legais já criados... Percebe como o que muda é a visão de cada um?

Meu ponto aqui é que as coisas mudam e você tem que entender que ter passado certo período da sua vida em certa década não faz a sua infância melhor do que a da criança que nasceu em 2000 e curte hoje uma série chamada "Programa de Talentos" ou "O clube das Winx", sei lá... A infância dessa pessoa será especial pra ela, e é isso que importa.

A infância é um período especial pra todas as pessoas. Quando crescemos nos tornamos saudosos do que era bom porque a maioria de nós pôde aproveitar a época de criança. Era bom, independente de quando foi. E, mais importante ainda, não foi mais especial do que a da pessoa que a viveu dez anos depois de você. Foi apenas diferente.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Sem marcador:

Amo essa fonte do "Family Guy"!
Ontem, enquanto eu mofava na frente do computador alimentando o meu vício (facebook, twitter e companhia...), eu parei pra pensar. É, eu sei que isso não é bom... Mas eu tava nessas mesmo assim. Eu fiquei ponderando sobre mim mesma, e acabei notando algumas coisas.

(Vai ser basicamente um "#10FactsAboutMe" mas dane-se, preciso desabafar as minhas conclusões.)

#1 - Eu crio barreiras com as pessoas e não sei quando parar. É basicamente isso mesmo... Sou bastante reservada. Até me conhecerem melhor (nossa, que clichê que ficou isso. PRÓXIMA!)

#2 - Normalmente faço isso desde o primeiro contato com a pessoa e quase sempre causo uma péssima primeira impressão. Tanto que tem muita gente que não gosta de mim...
Minha cara essa foto, véi...
#3 - O que quebra essas barreiras é a persistência da pessoa em manter contato comigo. E isso pode ser extremamente difícil, eu assumo.

#4 - Nenhum dos meus amigos ultrapassou todas as barreiras que eu impus. Sei lá, apenas não...

#5 - Tenho um medo (irracional) dos meus amigos mais íntimos, porque eles me conhecem mais e eu tenho medo que eles possam usar o que sabem contra mim um dia. Mantenho sempre um pé atrás com as pessoas. É bom, sabe... ou não. Não sei.

#6 - Por mais que eu me apegue e goste de algumas pessoas, eu não consigo baixar a guarda e acabo sendo até rude com elas. É, eu faço isso mesmo... :/ E o meu nível de "auto-entendimento" ainda não me deixa saber o porquê disso.

#7 - Só 5 dos meus amigos sabem um dos meus maiores segredos, embora eu ache que só 4 deles se lembram. E não, eu não vou dizer qual é o segredo ou quem são os amigos.

#8 - Esses 4 são os que mais derrubaram barreiras minhas. Logo, é desses 4 que eu mais tenho medo.

#9 - Quando eu percebo que uma pessoa que eu acabei de conhecer está conseguindo ultrapassar esses meus "muros" rápido demais, eu tento (muitas vezes sendo bem sucedida) afastar essa pessoa. Fazer o quê, eu entro em pânico, poxa...

E finalmente...

#10 - Eu sei que o motivo de todos esses fatos serem verdade hoje é porque eu, há muito tempo atrás, confiei nos "amigos" errados. É, essas pessoas são as maiores responsáveis por esses 10 fatos. Sobretudo o #5.

Mas beleza, eu sobrevivi e vou continuar sobrevivendo.

Só por hoje.